sexta-feira, 19 de março de 2010

DO RIO GRANDE DO NORTE PARA O BRASIL

18/03/10 - 08h14 - Atualizado em 18/03/10 - 08h14


NÓTICIA SETI DA GLOBO

Do interior do RN a Uberlândia: conheça as pupilas do ex-técnico de Joaquim Cruz

Selecionadas para o CT de Minas Gerais, Érika Oliveira e Alissandra Araújo enfrentam a saudade da família para conquistar o sonho olímpico em 2016

O dia amanhece em Uberlândia. O barulho do despertador traz a lembrança boa do pai fazendo cafuné para ajudar a acordar. Da cozinha, o cheiro do pão de queijo em nada se parece com o cuscuz preparado pela mãe. Mas é hora de levantar para treinar. A mais de 2.600km de suas casas em Lagoa Nova e Goianinha, cidades com menos de 20 mil habitantes no Rio Grande do Norte, Alissandra Araújo e Érika Oliveira, de 15 e 16 anos, respectivamente, iniciam a rotina da prova dos 800m no Centro de Treinamento da CBAt na cidade mineira e chegam à pista para transformar a saudade da família em sonho dourado nos Jogos do Rio de Janeiro em seis anos.


Alissandra e Érika dividem o sonho de representar o Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio-2016

Ao seu lado, bem cedo, Luiz Alberto de Oliveira já está de pé. Ex-técnico de grandes nomes do atletismo nacional, como Joaquim Cruz, Sanderlei Parrela e Zequinha Barbosa, o experiente treinador descobriu as meninas no Campeonato Brasileiro de Menores de 2009 e as convidou para participar do camping da CBAt em Uberlândia, em novembro. Depois da avaliação de 30 dias, Alissandra e Érika voltaram para suas cidades. Mas, há um mês, elas foram convocadas para a seleção fixa do CT e se mudaram de vez para a cidade mineira.

Na mala, vieram histórias da carreira ainda curta no atletismo. Segunda colocada na prova dos 1.500m do Brasileiro de Menores, com o tempo de 5m05s09 (o recorde mundial da categoria adulta é 3m50s46, da chinesa Yunxia Qu), Alissandra conta que o início nas pistas de Lagoa Nova foi difícil.

- Lembro que eu treinava descalça. Um dia, o professor da escola comprou alguns tênis, mas não dava para todo mundo. Então, minha mãe, com muita dificuldade, conseguiu me dar um. Demorou até eu me acostumar a correr com ele. Mas eu não queria tirar do pé. Foi como se fosse um presente em dia de Natal – disse a menina de 15 anos.

Acho muito engraçado quando todo mundo me pede para falar. Eles querem ouvir meu sotaque. É divertido quando solto um “Ave Maria” do nada - brinca Alissandra "

A recompensa para o esforço chegou logo cedo. Para Alissandra, um dos momentos mais marcantes já vividos no atletismo foi o reconhecimento na escola.

- O mais legal era quando eu ganhava o ouro em alguma competição e o meu colégio colocava um cartaz no mural para o povo todo ver. Ficava famosa – diverte-se a potiguar.

A ausência dos amigos da sala de aula é muito sentida pela menina. Mas ela já consegue achar graça também nos colegas mineiros.

- A mudança foi difícil demais. Uberlândia é muito grande, é estranho não conhecer todos os rostos. Mas eu acho muito engraçado quando todo mundo me pede para falar. Eles querem ouvir meu sotaque. É divertido quando solto um “Ave Maria” do nada. Todos riem e eu também – brinca.

O lado de moleca de Alissandra também aparece em Érika. Um ano mais velha que a conterrânea, a menina de 16 anos lembra que começou a correr justamente para fazer uma brincadeira com a irmã mais velha, que já competia em Goianinha.

- Quando eu comecei no atletismo, não tinha compromisso. Era para imitar a minha irmã, só besteira. Aí, um dia, um professor da escola me disse para ser mais séria porque ele via um futuro para mim no esporte. Então, escutei e comecei a me dedicar – disse ela.

Washington Alves/Divulgação

Luiz Alberto passa experiência para as meninas Terceira colocada nos 800m do Brasileiro de Menores (sua marca foi 2m15s74, 1m02s46 a mais que o recorde mundial adulto da tcheca Jarmila Kratochvílová), Érika mostra a seriedade pedida pelo professor só quando é para falar da saudade da família e o sonho de comprar uma casa e um carro para os pais.

- É muito difícil deixar as pessoas queridas da minha vida. Confesso que é complicado acordar e não ver todo mundo ali do lado, saber que estão tão longe. Só que cedo ou tarde isso iria acontecer. Estou buscando um futuro melhor para mim e para a minha família também. Quero comprar uma casa para os meus pais, ter condições de pagar um plano de saúde e um carro, que é o maior sonho dos dois. Eles merecem – explica.

Ouro de Fabiana Murer inspira as corredoras

Érika e Alissandra estão morando em um hotel em Uberlândia, mas logo devem se mudar para um apartamento que será pago pela CBAt para as atletas. Ainda na adolescência, a rotina de cuidar de uma casa sozinhas já assusta as fundistas.

- Vou dividir com umas cinco meninas. Acho que vai ser a gente que vai cuidar de tudo. Será duro chegar do treino e ainda fazer faxina. Eu só quero dormir e tomar banho depois de correr (risos). Mas é assim mesmo, morar sozinha tem suas obrigações – lembra Érika.

O “sacrifício” tem um objetivo bem claro. As duas assistiram juntas à prova em que Fabiana Murer ganhou a medalha de ouro no salto com vara do Mundial Indoor de Doha, no último domingo. Inspiradas pela conquista da brasileira, Alissandra e Érika voam no tempo e idealizam a vitória daqui a seis anos.

- Meu sonho é competir no Rio-2016. Estou quase chegando lá. Quero muito representar o Brasil. Mesmo que eu não ganhe nada. Mas me imagino correndo com a bandeira na pista. Deve ser uma emoção que não dá nem para descrever em palavras. Sei que tudo vai dar certo. Nada é impossível.

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